Monday, April 10, 2006

Caso 9

Estava um dia de Verão, não obstante a Primavera apenas recentemente se ter apresentado. Ao longe o extenso mar azul que se confundia com as nuvens no qual reflectia o sol que começava a despedir-se no horizonte, presenteando quem assistia com um deslumbramento cor de laranja, capaz de saciar o mais requintado dos observadores. Na praia, desfilavam alguns surfistas, aproveitando a breve aragem que anunciava o fim da tarde; no amplo areal, algumas, poucas, pessoas usufruíam do sol e procuravam o prazer de um banho salgado ao fim da tarde; mais ao longe, deambulando pelos pequenos rochedos esculpidos pelas mares, um casal de namorados passeava de mãos unidas sonhando com as vicissitudes do futuro. Foi nesta praia que Fernando deu os primeiros passos, nas férias passadas em casa dos avós.

O avô de Fernando, Manuel era um velho homem, feliz, que anos antes abandonara a vida cosmopolita para procurar refúgio numa pequena aldeia esquecida, privilegiada com uma deslumbrante vista sobre o oceano. Para fazer face às suas despesas Manuel construiu um viveiro de marisco, fornecendo alguns restaurantes da região. Enquanto isso, a sua esposa dedicava-se ao jardim da casa, no qual plantava as mais belas flores, para gáudio dos muitos que as recebiam como ofertas. Nesta tarde, a avó Maria havia saído, deslocando-se a Santiago do Cacém para adquirir alguns produtos para a sua actividade de jardinagem.

Manuel passava parte dos seus dias com os seus grandes amigos Pedro e João; Pedro, um reputado retratista, cujos quadros engalanavam alguns dos mais luxuosos palacetes da nobreza europeia; João, foi durante anos proprietário de uma marisqueira, onde românticos casais se deliciavam, com as melhores iguarias da costa alentejana. Como sua firma adoptara Carlos Osório de Albuquerque, o Carapau, em homenagem ao seu pai, a pessoa que a havia constituído e posteriormente lhe transmitira a marisqueira. (Carapau era o nome como o pai de João, Carlos, era conhecido na aldeia, depois de anos a dedicar-se à pesca). Para cumprir todas as suas obrigações, aproveitou o facto de estar em Lisboa, para tentar realizar o registo comercial.

A marisqueira estava entregue aos cuidados de Francisco, que realizada todos os actos e contratos necessários, uma vez que João era um eterno romântico que fazia da leitura uma ocupação integral, não tendo nem tempo, nem paciência, nem talento, para os problemas mundanos da marisqueira.

Um dia João casou, já depois de ultrapassadas as sessenta Primaveras. A esposa escolhida foi uma discreta brasileira que conheceu por um chat na Internet. Pode mesmo afirmar-se ter sido amor à primeira vista, porquanto mal João a viu pela sua webcam, enviou por correio um sumptuoso anel, acompanhado de um apaixonado pedido de casamento, bem como de um bilhete de avião, em primeira claro...

A passagem de Mónica (era este o nome da esposa brasileira) na vida de João foi efémera no tempo mas proficiente nas consequências. Arguindo não se sentir adaptada, induziu o seu submisso marido a oferecer-lhe um salão de cabeleireiros; com os alegados lucros do salão, adquiriu variadíssimas jóias bem como sumptuosas peças de decoração para o salão. A ardente paixão de João não se esvaneceu quando os primeiros credores de Mónica começaram a procurar a sua porta, acreditando em todas as mal contadas histórias da sua esposa.

Só algum tempo mais tarde João enfrentou a penosa realidade. A sua idolatrada esposa havia fugido na companhia de um turista alemão, que nesse Verão passara férias na aldeia. Para trás deixara um coração destroçado e uma montanha de dívidas; destas destacam-se uma para com Belchior de € 20,000.00, relativa a um empréstimo para as obras do salão (embora não existisse nenhum documento a comprova-la), outra de € 5.000,00 do pronto-a-vestir que Mónica frequentava e outra de 7,500,00 contraída num negócio com Marta.

Vergado pelo desespero e pela vergonha, João tornou-se taciturno e distante sendo sem surpresa que uma manhã foi encontrado morto, preso à azinheira que assistiu aos seus últimos suspiros. Fernando ouviu várias vezes o avô a contar esta história, no alpendre com vista para o mar: era a sua forma de ensinar ao neto a importância das escolhas individuais.

QVID IVRIS

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