Tuesday, May 31, 2016

Caso 80



Sofia continua bonita como o veneno, com os mesmos seios fartos, um olhar ilícito e inocente, um olhar de uma violência ingénua, secreto e húmido e fulgurante como um primeiro pecado, curvas sumptuosas, irritantemente bonita e, o peso de idade (a cronológica e a metafísica), não lhe furtou a beleza! Quiçá hoje ainda seja mais magnânima do que naquele primeiro dia que a vi, há quase vinte anos. Reencontrei-a hoje, num restaurante do João, numa festa para a qual [obviamente] não fui convidado. 
Sofia é hoje uma conhecida sexóloga, uma das psicólogas mais requisitadas do País: incapaz de matar os seus fantasmas, dedicou a vida a extirpar os alheios. Naquela noite inteira e limpa, onde emergiram da noite e do silêncio e livres habitaram a substância do tempo, sentaram-se pela primeira vez em duas décadas, Sofia, Ana, Cristina e João, numa efeméride que nenhum queria festejar! A desculpa esfarrapada, que todos fingiram acreditar, era que se juntaram para evocar a última noite do restaurante do João em Lisboa. João vendeu o restaurante a um grupo chinês, que o compraram pelo prestígio do nome – Caldos de Galinha & outros mimos –, com o desiderato de, posteriormente, venderem a cerca de trinta outros empresários o direito de abrir restaurantes semelhantes, em todo o país. Os chineses, apenas não adquiram o direito a comercializar a cerveja artesanal, que João inventou (e que chamou de Mercedes, em homenagem a uma das suas paixões), porque a vendeu, a um investidor do Bangladesh.
Quem ficou irado com o negócio, foi o senhorio de João. Bem como os trabalhadores de João, que tinha a fama, merecida, de ser um patrão excecional, dos que paga ginásio e seguros de saúde, oferece uma semana de férias (sempre em África, obviamente), formação profissional constante e remuneração claramente acima da média. 
O pagamento do negócio foi realizado com um documento, em que João ordenava aos chineses que lhe pagassem o valor acordado, sendo que, um empresário americano garantia o pagamento (que nunca aconteceu!). Bem como, com uma promessa de pagamento, dada por um dos chineses a João, sem que o valor constasse do documento, porquanto, estava dependente da realização do inventário do restaurante. Nessa noite, depois uma noite de quase amor, roubaram este documento a João, falsificaram a sua assinatura e transmitiram-nos ao ingénuo Otávio, que, agora, exige o valor que colocaram no título, não obstante este ter uma data de noventa dias posteriores.
Porque a imaginação da ficção supera quase sempre a realidade, também se cruzou no restaurante a Maria [ignorada por todos], que levava um discreto vestido de lantejoulas cor-de-rosa, comprada num sítio da internet. Porque achou o vestido demasiado caro, na manhã seguinte, devolveu-o! 
Beberam uma caipirinha para adoçar o apetite, búzios, percebes e, para deleite final, uma lagosta grelhada, enquanto deixaram respirar uma sangria branca. Comeram sem pressas, bebericando cada um dos ingredientes, ingerindo-os com deleite. Lentamente, porque esta noite não tinham pressa. Bem sabiam, que não voltariam a encontrar-se, porque, a dor da presença era mais forte do que a dor da ausência, algures, dançando, nas ondas da zambujeira do mar… 
quid juris

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