Monday, May 29, 2017

Caso 81

Desde que tem consciência de si mesmo que Artur Corvelo sonha com o reconhecimento, a fama, ser bajulado e viver uma vida mundana, muito mais profana do que sagrada. No outono da adolescência convenceu-se de um alegado talento para a escrita e decidiu escrever um livro, o grande romance lusitano, que lhe oferecesse a notoriedade que se achava merecedor. E, não obstante o mesmo ter sido publicado, faltou-lhe o engenho de Mark Twain e as suas personagens nunca foram um Huckleberry Finn. Já antes disso, quando foi estudar sem sucesso para Coimbra, ainda publicou umas enfadonhas poesias, que foram lidas com escárnio.
Com a morte do seu pai, rapidamente delapidou a pequena herança e a vida obrigou-o a viver por caridade na casa das suas tias, em Oliveira de Azeméis, onde continuou uma existência parasitária, perdido entre os sonhos imponentes e a preguiça que lhe tolhia os movimentos. Pressionado pela tia, arranja emprego como gerente de uma farmácia, apesar de abominar a vida de comerciante de província.
Vasco, o seu patrão, era farmacêutico por tradição familiar e, porque era um provinciano moderno, decidiu alargar o seu negócio, pelo que, fez um contrato oral com um seu vizinho, através do qual, iria explorar o café central da cidade. Para não misturar os patrimónios, resolveu constituir uma sociedade, com a esposa e os filhos, com o nome de Café Central, cujo gerente iria ser Rabecaz, um marialva de provincia, bem conhecido pela sua íntima amizade com o álcool. Quem não gostou nada de saber destas notícias, foi o Comendador Qualquer Coisa, legítimo proprietário do imóvel onde estava localizado o café.
Foi por essa altura que Artur recebeu a alegre notícia da morte do seu padrinho, que lhe deixou uma pequena fortuna de herança; no dia a seguir a receber o dinheiro, mudou-se para Lisboa para concretizar o seu sonho de fama, com o secreto desejo de um dia ser entrevistado pelo Daniel Oliveira e responder que os seus olhos dizem todas as letras do alfabeto, incluindo as três esquisitas.
Porque era menos tolo do que no livro, fez um contrato com Vasco em que, a troco de um investimento da farmácia, iriam partilhar entre si os lucros. Embora Artur tenha exigido que a farmácia se começasse a chamar de Supositório.
Como o meu bom aluno sabe, tudo correu mal a Artur na sua estadia na capital: Melchior e Meirinho, os seus “amigos” lisboetas demonstraram ser duas sanguessugas que lhe fizeram desbaratar a fortuna em trivialidades, e depois apareceu a espanhola, quase pura, quase casta, apaixonada pelo dinheiro dele, que, enquanto não fugiu com o guitarrista, lhe sacou o resto do dinheiro, até ao dia em que precisou vender roupa para conseguir pagar a viagem de regresso à casa agora silenciosa pela morte da sua tia e cujo funeral não assistiu, por causa de uma francesa travessa.

Não obstante, foi recebido em Oliveira de Azeméis com a pompa e circunstância que os provincianos tendem a dedicar a quem tem fama de cosmopolita. E, após mistificar histórias sobre a sua vida na Capital, colocou em Vasco a semente da cobiça e também este arranjou uma espanhola para o explorar. Quando se soube, a esposa e os filhos,reuniram-se numa Assembleia Geral não convocada, para decidir algo muito importante para a sociedade mas que, infelizmente, agora não me recordo o que foi. 

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