Desde que tem consciência de si
mesmo que Artur Corvelo sonha com o reconhecimento, a fama, ser bajulado e
viver uma vida mundana, muito mais profana do que sagrada. No outono da
adolescência convenceu-se de um alegado talento para a escrita e decidiu
escrever um livro, o grande romance lusitano, que lhe oferecesse a notoriedade
que se achava merecedor. E, não obstante o mesmo ter sido publicado, faltou-lhe
o engenho de Mark Twain e as suas personagens nunca foram um Huckleberry Finn. Já
antes disso, quando foi estudar sem sucesso para Coimbra, ainda publicou umas
enfadonhas poesias, que foram lidas com escárnio.
Com a morte do seu pai,
rapidamente delapidou a pequena herança e a vida obrigou-o a viver por caridade
na casa das suas tias, em Oliveira de Azeméis, onde continuou uma existência
parasitária, perdido entre os sonhos imponentes e a preguiça que lhe tolhia os
movimentos. Pressionado pela tia, arranja emprego como gerente de uma farmácia,
apesar de abominar a vida de comerciante de província.
Vasco, o seu patrão, era
farmacêutico por tradição familiar e, porque era um provinciano moderno,
decidiu alargar o seu negócio, pelo que, fez um contrato oral com um seu
vizinho, através do qual, iria explorar o café central da cidade. Para não
misturar os patrimónios, resolveu constituir uma sociedade, com a esposa e os
filhos, com o nome de Café Central, cujo gerente iria ser Rabecaz, um marialva
de provincia, bem conhecido pela sua íntima amizade com o álcool. Quem não
gostou nada de saber destas notícias, foi o Comendador Qualquer Coisa, legítimo
proprietário do imóvel onde estava localizado o café.
Foi por essa altura que Artur
recebeu a alegre notícia da morte do seu padrinho, que lhe deixou uma pequena
fortuna de herança; no dia a seguir a receber o dinheiro, mudou-se para Lisboa
para concretizar o seu sonho de fama, com o secreto desejo de um dia ser
entrevistado pelo Daniel Oliveira e responder que os seus olhos dizem todas as
letras do alfabeto, incluindo as três esquisitas.
Porque era menos tolo do que no
livro, fez um contrato com Vasco em que, a troco de um investimento da
farmácia, iriam partilhar entre si os lucros. Embora Artur tenha exigido que a
farmácia se começasse a chamar de Supositório.
Como o meu bom aluno sabe, tudo
correu mal a Artur na sua estadia na capital: Melchior e Meirinho, os seus
“amigos” lisboetas demonstraram ser duas sanguessugas que lhe fizeram desbaratar
a fortuna em trivialidades, e depois apareceu a espanhola, quase pura, quase
casta, apaixonada pelo dinheiro dele, que, enquanto não fugiu com o
guitarrista, lhe sacou o resto do dinheiro, até ao dia em que precisou vender
roupa para conseguir pagar a viagem de regresso à casa agora silenciosa pela
morte da sua tia e cujo funeral não assistiu, por causa de uma francesa
travessa.
Não obstante, foi recebido em Oliveira
de Azeméis com a pompa e circunstância que os provincianos tendem a dedicar a
quem tem fama de cosmopolita. E, após mistificar histórias sobre a sua vida na
Capital, colocou em Vasco a semente da cobiça e também este arranjou uma
espanhola para o explorar. Quando se soube, a esposa e os filhos,reuniram-se
numa Assembleia Geral não convocada, para decidir algo muito importante para a
sociedade mas que, infelizmente, agora não me recordo o que foi.
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