Estava um dia quente.
Terrivelmente quente.Daqueles em que cada poro tem o semblante do pecado. Em
que o sono não nos encontra e a madrugada enche-nos de pensamentos impuros.
Recalcamentos. Saudades do que tivemos! Saudades do que ainda está para chegar.
Quando o sonho e a fantasia se misturam e insistem em dizer que afinal tudo
ainda é possível. Como nas comédias românticas de domingo à tarde!
Hermenegilda apenas adormeceu
quando o cansaço a derrubou! Estava excitada (ainda que num sentido diferente
daquele que a mente do meu aluno está a pensar)! Amanhã seria o primeiro dia do
resto da sua vida: ia concretizar um velho sonho e abrir a sua empresa de
organização de casamentos. O seu sonho era acontecer-lhe o mesmo que naquele
filme parolo em que a organizadora de casamentos se apaixona por um príncipe
grego e vivem felizes para sempre. Mas, tantos anos a colecionar sapos,
faziam-na duvidar de si mesma. Talvez por isso, não se aventurou sozinha. A
empresa pertencia também a Afrodite, feia que nem uma porta, mas muito
talentosa, que entrara para esta aventura com um estabelecimento comercial dedicado
ao catering, do qual era proprietária
há vários anos. Para desgosto do infortunado Amilcar, seu senhorio, que há
muito cobiçava o estabelecimento. Para assinalar a sua atividade adotaram a
designação Maçã, identificando-se com um desenho desta fruta, para desta forma
simbolizarem que o casamento pode ser comer o fruto proibido.
Porque queriam captar noivos
estrangeiros, promover junto deles o prazer de casar em agosto no alentejo,
pensaram em ir a um conjunto de feiras no estrangeiro. Mas, como o investimento
era demasiado oneroso, decidiram unir-se a várias concorrentes e irem todos
juntos, à molhada, como dizia o Herman.
Há uns anos, quando ainda
trabalhava sozinha, Afrodite comprou umas calças de ganga, daquelas modernas,
com buracos nas pernas, para exibir as meias de xadrez pretas que comprava nos
chineses, quando estavam em saldos. E uma roupa badalhoca, para estrear com o
namorado, comprada na loja Roupa Badalhoca.
E tudo correu bem até que começou
a correr mal. Como na vida. Como no amor e no desamor. Como nos testes de
direito comercial.
Quid Juris